27 de dez. de 2010

Quarto do pânico

O frio já cobre a maior parte deste cômodo de carne
As vozes vão e vem a todo instante
Quase posso entender o que dizem
Algumas coisas velhas no canto atrás da porta
O gélido pavor ainda não se dissipou
Desde a ultima vez em que tentei
Sinto que um pouco de mim ficou naqueles arames
E as mesmas feridas ainda sangram
Deitado neste covil escuro por um longo tempo
Eu tento dia após dia entender os motivos
Avaliar cada fraqueza e falta de anseios
Não quero mais estar neste quarto cego
Às vezes alguns estranhos me vêm visitar
Tentam me resgatar de meu estado mórbido
Trazem fotos de memórias passadas
Tantos momentos alegres
Chego a imaginar que não são reais
Tanta alegria seria dada a mortais?
Sei que o sorriso daquelas fotos já fora meu
Observo a luz dos olhos
Nem um pouco artificial
Onde tudo começou?
Qual foi o divisor de águas?
Estou em pedaços há tempos
Gostaria de ter as velhas pernas
O maravilhoso ar nos pulmões
Os mesmos que já me carregaram por tantos cantos
Se pudesse, correria sem olhar para traz
Sem temer meus pulmões serem vomitados
Fecharia os olhos e tentaria pular aquela ponte quebrada
Sem mais tantos medos
Talvez sem medo algum.
Se o céu pudesse ouvir meu clamor
Haveria tantas coisas para pedir
Tanto para reclamar
Minhas bandeiras jamais foram cravadas no solo
As deixei bem guardadas em nuvens
Aquelas vermelhas de noites de inverno
Diga-me
Onde começar a implodir tudo isso
Quero recomeçar
Como renascer de fato
Quero esquecer cada palavra que aprendi
Desaprender cada sentido
Tornar a engatinhar
Gostaria que o sol voltasse a cada dia
E que as luas não fossem mais cheias
Quero cada noite perdida
Cada pedaço meu jogado na trilha da floresta
Por medo de me perder no caminho
Ah sim, vou reivindicar cada pêlo que me foi arrancado
Os mais intensos olhares perdidos em direções tortas
Quero de volta os pensamentos secretos
Aqueles que jamais foram ou serão destinados
Ganhar o meio tempo de cada frustração
Não quero perder tempo lambendo feridas
Vou correr mesmo de pernas quebradas
Vou tocar até o limite
E não importa se mutilares
Não deixarei de desejar
Enquanto minha pele for morna
Estarei razoavelmente aquecido
O bastante para continuar tentando quebrar estas paredes de aço
Não faço idéia do que me aguarda
Talvez pura utopia
Talvez o nirvana real
Pouco importa, não mais perderei tempo
Não mais vou ficar sentado aqui
Com todos os dentes na boca
Nem guardarei sequer um fio de energia
Quero gastar todo meu ser
E se nada der certo
Valerá a pena ter os ossos todos quebrados
E sangrar até a morte
Talvez no final o sentido seja este
Ninguém entra com ossos no paraíso.